Ensaio sobre a loucura.
A diferença entre os loucos do manicómio e os loucos que estão cá fora é uma questão de poder e dimensão. Ambos atacam traiçoeiramente aqueles que tocam nas suas ideias fixas, mas os primeiros, que estão dominados pelos segundos, ocupam menos espaço.
Hierarquias sociais.
Os arrumadores de carros aqui, na universidade, estão sempre à espera da moedinha. Os meus amigos deputados estão sempre à espera da noticiazinha. Os primeiros dizem que é para ajudar a avó doente, os segundos dizem que é para ajudar todas as avós doentes deste país.
Amizade
Quando conheço uma pessoa, tiro-lhe logo o atrelado. Tiro-lhe o nome, as roupas de marca, o carro, a casa, os equipamentos electrónicos e o resto dos acessórios. Se sem isso a pessoa me interessar, ouço-a com atenção e respeito-a. Se não tiver mais do que isso, não lhe dou atenção nenhuma. Não é por mal. Apenas prefiro fazer amizade com pessoas do que com objectos.
Introdução
Antes de mais, gostaria de dizer-vos que vim aqui falar bem de todos, e criticar ninguém. Pretendo apenas apreciá-los, etilizar com os conceitos, e, se tiver sorte, desconstruir e criar outros. Se pensar diferentemente, acrescentarei tão somente um ponto, outra perspetiva, e não farei uma conta de subtração às ideias dos outros. Procuro uma versão que tudo acolhe – e sabem bem o que acontece quando nos dão abrigo.
Também não desejo demonstrar inteligência ou impressionar. Venho apenas para a festa, dançar com as imagens, brindar aos encontros e, se necessário, curar a ressaca dos excessos no dia seguinte. Portanto, o mais importante será evitar os fura-festas, os sem potência de criação, os que encerram tudo em caixas, e, colocando-se a um canto, criticam os movimentos dos dançantes, sem alguma vez conseguirem dar um passo de Twist. Dizem que as roupas não são adequadas, que deveríamos dançar mais depressa ou devagar, e que os gestos são demasiado tímidos ou exuberantes. Acontece que as danças tímidas são-no maravilhosamente, e as exuberantes também. O que interessa é ir para a pista, abandonar os recantos escuros dos encerramentos e envolver-se em todas as intensidades da luz. E se um dia o corpo deixar de mexer ou emperrar-se, dança-se como um robot. Ou inventam-se danças ciborgues e organizam-se outras festas. Porque as há infinitas. Basta ter curiosidade e perguntar: onde e com quem posso dançar?
Originalidade.
As pessoas que vivem no luxo e no ócio têm três características fundamentais. Primeiro, são educadas desde cedo a obedecer a pessoas, a figuras religiosas, ou a ideias. A segunda é que se ocupam primordialmente dos amores. Como têm quem lhes faça os penosos serviços domésticos, ficam com imenso tempo disponível para a profissão do exercício das paixões. Terceiro, dedicam-se afincadamente ao cultivo da elegância. Para se distinguirem dos vulgares comuns, criam detalhadas regras para o vestuário, para o corpo, e para a alma. Ambas podem rir, mas do corpo do pobre sairá uma risada estridente e do corpo do rico sairá uma gargalhada requintadamente disciplinada. E o seu desejo mais ardente é a originalidade. Precisam de ser diferentes dos outros.
Como gosto de ver toda a gente feliz, encontrei uma solução para ajudar a aquecer estas almas douradas. Foi bastante dispendiosa mas tem tido um efeito surpreendente. Comprei uma impressora 3D e, sempre que estes seres começam a trotear magníficos nos seus cavalos invisíveis, imprimo uma estátua personalizada e ofereço-lhes. Agora, que estou a ficar famosa como fabricante de estátuas, vêm até pessoas do estrangeiro para me pedir uma. Cercam-me a casa, tiram-me fotografias, enviam-me cartas a dizer que uma estátua lhes pode mudar a vida. Todos querem uma estátua de si próprios. Que aborrecimento.
Honraria.
Biografia de metade dos escritores portugueses: “Anda um homem* a vida toda a tentar ser importante, e diversão, que é boa, nada.”
Como gosto muito de dar conselhos, vou oferecer-vos mais um: honrarias são miséria para o espírito. Quanto mais as temos, menos nos sentimos. Se não é por prazer ou dinheiro que escrevem, deixem-se disso.
Em vez de andarem à esmolinha de venerações, gastem o tempo a fazer coisas que deveras gostem, e tratem as pessoas genuinamente bem. Depois, enviem-me uma carta de agradecimento a dizer “Ah! Afinal, era isto!”, que não lerei, porque o que me diverte é dar conselhos, não que os ouçam.
*Eu sei, eu sei, mas não ficava bem.
A piscina.
Chega-se a uma idade em que se pode falar de tudo, por isso, vou escrever sobre piscinas. Aprendi a nadar na piscina dos meus avós maternos. Ao ver-me continuamente agarrada às beiras, com receio de afogar-me, alguém aproveitou uma saída e empurrou-me. Atirada para uma parte sem pé, comecei a esbracejar e a gritar pedidos de ajuda, que foram ignorados. Em desespero e desamparada, comecei a nadar. Nessa lembrança, deparo que foi assim que aprendi quase tudo. Também me atiraram à piscina dos pais, dos avós paternos, e noutras fora de casa. Agora, podem atirar-me para onde quiserem. O que mais sei fazer é nadar.
Camadas culturais.
Nem sei como consegui entregar, mas digam-me se não vos deu vontade de ler mais sobre código.
“Olhemos para o código como Roland Barthes olhou para o striptease: observando a tecnologia material para analisar o seu aparato formal. Leiamos o fluxo interminável de código como se lê qualquer texto, descodificando a sua estrutura de controlo como se fosse um filme ou um romance. Mergulhemos nas redes distribuídas, nas linguagens de programação, nos protocolos computacionais e noutras tecnologias digitais, para, depois, interpretarmos os seus impactos no meio privilegiado dos corpos físicos, despindo as suas camadas culturais, e descrevendo-as dentro do teatro sociopolítico. Eis a proposta de Alexander Galloway, no seu livro Protocolo, cuja pergunta titular, “Como o controlo existe após a descentralização?”, recupero neste texto.”
Despenteadas.
“Ser punk é como ter ido a uma determinada universidade. Define a forma como se aprendeu a olhar para as coisas.”
O prazer do texto.
Mal abro as hostes do meu e-mail, começam logo a brotar parvoíces. Como a resposta a um deles é serviço público, e de outro modo não responderia, vou colocá-la aqui. Pode ser que tenham a mesma dúvida.
“Ao que parece, não sabe muito bem a diferença entre hipersexualização e liberdade sexual. Aqui vai uma pequena ajuda:
Visto-me de forma sexy (seja lá o que isso for), apesar de sentir-me desconfortável, para me integrar socialmente e porque acho que esse é o meu valor de troca.
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Visto-me de forma sedutora (seja lá o que isso for), porque a encenação aumenta a minha potência de diversão.
O meu objetivo é agradar e dar prazer.
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O meu objetivo é partilhar e ter prazer.
Reproduzo a estética pornográfica nos meus atos sexuais porque não sei distinguir cinema de realidade.
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Vejo pornografia porque me excita, mas admito que tenho péssimo gosto e que a maioria dela reproduz estereótipos de gente néscia.
Não compreendo a diferença entre um órgão sexual e um ser humano inteiro.
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Fiz um trabalho na faculdade sobre a Jouissance do Lacan e o Corpo Sem Órgãos do Deleuze e do Guattari.
Tenho a certeza que todas as mulheres têm algo em comum.
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Admito que não me conheço, quanto mais ter a pretensão de conhecer todas “as mulheres”.
Tenho objetivos de performance sexual.
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Percebo que a cama é mais uma pista de dança do que um ginásio.
Faço intervenções plásticas para sentir-me mais desejável.
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Compro um livro sobre a semiótica do desejo.
Acho que o órgão sexual feminino é uma cavidade e nunca ouvi falar de vulvas.
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Sei o que é um clitóris e o que fazer com ele.
Tenho a Fundamentação da Metafísica dos Costumes na mesinha de cabeceira.
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Leio Bataille para me embalar antes de adormecer.
Instalei luzes fluorescentes em toda a casa para ver tudo muito bem.
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Até na cozinha tenho candeeiros com regulador de intensidade.
Chamo frígida a uma mulher que não quer fazer sexo.
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Compreendo que há muitos motivos para alguém não querer fazer sexo, sendo a falta de interesse em mim um deles.
Considero-me a Madre Teresa por dedicar muito tempo aos “preliminares”.
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Sei que é pateta chamar “preliminares” à parte da estimulação feminina porque ela JÁ é o ato sexual, não a entrada para o prato principal, que seria o meu prazer. Inclusivamente, costumo dizer “Aquela mulher é excelente! Até insiste em satisfazer-me depois de se vir!”
Sei que “Come as you are” é uma música dos Nirvana, mas considero o meu pénis ou seios demasiado pequenos.
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Li o livro homónimo da Emily Nagiski e descobri que os orgasmos acontecem no cérebro, não nos genitais.
Comporto-me como um produto sexual, um verdadeiro macho, e sigo todas as instruções das revistas masculinas.
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Divirto-me, apenas.
Sou obcecado por sexo.
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Sei que há muitas formas de ter prazer na vida, sendo o sexo uma das melhores.
Sou um burgesso.
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Sou alguém com quem vale a pena copular.
Funeral.
Só para dizer que hoje não morri na auto-estrada por um minuto. Foi um espectáculo de guinadelas, eu a andar de uma ponta da estrada até à outra, em ziguezagues incontroláveis. Os quilómetros, para esvaziar o depósito, marcavam 666. De um momento para o outro, o carro parou, pelo que me encontro na poltrona do lado direito da minha sala a escrever este texto comovente. Se morresse, isto deixava de ser divertido, por isso, parem lá com os bruxedos. Se, entretanto, for desta para melhor, não se esqueçam de pôr a tocar Dead Kennedys a caminho do cemitério. Pode ser que ainda oiça alguma coisa.
Sem teatro.
Lembro-me de, quando era mais nova, fazer muito teatro. Além das peças no colégio, em que escolhia sempre o inferno do Auto da Barca, produzia muitas sem palco. Para existir, tinha de desempenhar o papel de obediente, eloquente, mas sem confrontar, bem comportada, mas socialmente expansiva, demonstrar riqueza, sem ostentar, destacar-me, sem fazer demasiado ruído, ser sexy, mas pura e inocente, magra, mas com apetite, belíssima, mas sem vaidade, aluna de excelência, sem estudar muito, inteligente, mas não ameaçadora, culta, mas sem opinião. Ganhei várias coisas a fazer estas personagens, sobretudo depressões profundas.
Foi apenas quando me despi delas, em atos de coragem, uma após a outra, que comecei a viver. Lembro-me do primeiro dia em que não acordei angustiada. Tenho uma fotografia dessa manhã, que guardo até hoje. Depois de tantos anos de existência, foi o primeiro em que senti paz. Vivia sozinha, tinha dificuldade em pagar as contas, mas estava rodeada de pessoas que me apreciavam, sem maquilhagem, se falasse muito ou não dissesse nada, quando achava ser a melhor ou na fragilidade absoluta. Foi nesse momento, quando não precisei ser nada, que pude finalmente começar a ser tudo.
Humanismo.
Sempre que há uma catástrofe humana, as redes sociais impregnam-se de frases muito belas. No outro dia, apareceu-me uma que me afectou profundamente: "Vejo humanos mas não vejo humanidade”. E lembrei-me logo do meu professor do secundário que uma vez me disse que devia ser “mais humana”, em resposta a uma observação minha que dizia que “não andava aqui para libertar a humanidade da opressão. Quanto muito, aliviava a dor de cabeça do meu colega de carteira porque tinha trazido um ben-u-ron.”
“Agora, aliviar todas as dores de cabeça deste mundo?”. “Mesmo que quisesse”, disse-lhe, “que não é claramente o caso, não ia conseguir, porque o que cria dores de cabeça a uns, não cria a outros. E eliminar uma causa de dor de cabeça de uns, ia dar muitas dores de cabeça a outros. Por isso, em vez de ter a pretensão de saber e querer eliminar as dores de cabeça de toda a “humanidade”, resolvo as minhas e as do colega do lado. Pode ser que outros, ao verem como resolvi a minha, resolvam também a deles, se quiserem. Valha-me obrigá-los a resolver aquilo que eu acho que são as dores de cabeça deles! Inclusivamente, professor, sei de muita gente que precisa da dor de cabeça. Li, anteontem, que há muitos escritores que não conseguem escrever sem ela. Nos dias sem dor de cabeça, vão para a praia e põem-se a namorar. Além disso, nos dias seguintes à inactividade intelectual, ficam com uma grande dor de cabeça provocada pela frustração de não avançarem no trabalho.
E quem é que define o que é ser “mais humana”? É o professor? E se eu achar que sou mais humana por não querer que todos os “humanos” sigam a minha ideia de “humanidade”?
Já o estou a ver num alto palanque a recitar o novo “código da humanidade” e a selecionar quem fica de fora das determinações específicas.“Este não é humano, este é quase humano, este é meio humano.”
Se calhar é por isso que agora vendem tantos comprimidos para as dores de cabeça. Ou porque nunca somos suficientemente humanos ou porque, digo eu, cansamo-nos de ser demasiado humanos”.
Nada a dizer.
Vim aqui dizer-vos que não tenho nada a dizer. Não tenho nada a dizer sobre os extraordinários livros que tenho lido, nem das músicas boas que tenho ouvido, nem sobre as conversas profundas que se têm desenrolado, nos sítios mais inesperados. Não tenho nada a dizer sobre o sol quente que me bronzeou a pele hoje, nem sobre o que descobri na caminhada de ontem. Também não vou dizer nada sobre o que aconteceu este fim-de-semana em Lisboa, sempre entusiasmante. Talvez pudesse dizer alguma coisa sobre as visões cinematográficas que tenho tido ultimamente, e das bandas sonoras que as acompanham. Mas também não o vou fazer. Não vou dizer nada sobre como tenho acordado, o que faço à noite, ou de madrugada. Muito menos direi alguma coisa sobre as minhas tardes, e sensações extasiantes que tenho tido no meu corpo. Não sei bem quando é que isto aconteceu, deixar de me interessar dizer. Mas tenho a impressão que foi um crescendo de prazer. Quanto menos tenho para dizer, mais já senti tudo.
Pensamento crítico ou teoria da conspiração?
Ironia da história: é na era da informação omnipresente e da ciência dos dados que nascem cada vez mais teorias da conspiração. Diz a definição que são discursos críticos sobre o desenvolvimento da História e pressupõem a existência de um grupo de pessoas poderosas que governam o mundo. No dicionário Oxford, é “a crença de que um acontecimento foi planeado secretamente por organizações poderosas”, “com intenção de conseguir ou de esconder algo”, acrescenta o Priberam. Se alongarmos o argumento, não podemos encontrar algumas destas ideias em exercícios intelectuais? Não há grupos de pessoas com poder suficiente para decidir sobre vida de muitas outras? Questionar os métodos e resultados científicos não faz parte da evolução da própria ciência? Não há muito para além dos discursos oficiais, que, independentemente dos motivos, se pretendem secretos? O que distingue uma teoria da conspiração de um pensamento crítico? Para tentarmos responder a estas questões, façamos um exercício filosófico, imaginando o que diriam Platão, Nietzsche e Descartes sobre o tema.
Platão
As teorias da conspiração são ideias falsas às quais estamos acorrentados, como os prisioneiros da caverna. Lembram-se do que escrevi n´ A República? Num diálogo entre Sócrates e Glauco, descrevo uma caverna onde se encontram prisioneiros acorrentados, que apenas conseguem ver sombras. Estando lá desde a infância, e nunca tendo saído, acreditam que as sombras que vêm são a única realidade existente. Quando um é libertado, vê a luz do sol e objetos reais pela primeira vez, doem-lhe os olhos e supõe que são menos verdadeiros do que as sombras. Se decidisse regressar à caverna, e contar o que tinha visto aos outros prisioneiros, diriam que teria desenvolvido problemas de visão, e, se tentasse arrastá-los para fora da caverna, instigando-os a ver os objetos reais, poderiam sentir-se ameaçados e até matá-lo. Trazendo esta alegoria para o presente, podemos dizer que as teorias da conspiração são as sombras, e os prisioneiros são os que acreditam nelas. Os conspiradores não só asseguram que as sombras são reais, como afirmam que quem tem mais conhecimento está com a visão distorcida. Vivem no mundo sensível, o das aparências, baseado em suposições e opiniões rasas. A liberdade deles corresponderia à saída da caverna, onde está o mundo inteligível, o das ideias. Os defensores das teorias da conspiração não pretendem saber mais, já têm todas as respostas, e perseguem quem os questiona. Mas, prisioneiros da caverna sensível, onde reina a ignorância, podem libertar-se. Leiam livros, estudem o tema, levem as vossas ideias a debate. A vossa condição não é fixa. É uma questão de se porem a caminho. O do conhecimento.
Nietzsche
As maiores teorias da conspiração foram criadas por filósofos. Platão e outros pensadores criaram “outros mundos”, que dão a ilusão de haver locais onde existe a perfeição, e inventaram “conceitos-múmia, ficções que enfraquecem os indivíduos e são uma renúncia à vida aqui e agora. Esses mundos, que só existem nas ideias, são inventados por quem não é capaz de viver no mundo real, o dos sentidos. E, para entrarmos neles, temos de definhar neste. É, portanto, por causa de uma deceção que nos distanciamos da vida e nos projetamos no erro. Devemos questionar esses fantasmas, que são as teorias da conspiração, e reavaliar constantemente as nossas crenças e valores, para promovermos um pensamento criativo, autêntico e livre. Procuremos novas formas de pensar e viver, que reflitam uma genuína e profunda afirmação da vida e da experiência humana. Abracemos o caos e a incerteza da existência, sem recorrer a respostas fáceis e conclusivas que os conspiradores nos querem dar. Sejamos autónomos, capazes de criar os nossos próprios valores, e afirmemos a nossa vontade de poder. O nosso objetivo deve ser a autoafirmação perante quaisquer ideias que nos queiram impor, sejam elas provenientes de forças poderosas desconhecidas, ou de conspiradores enraivecidos. Leiam O Único e a Sua Propriedade, do Max Stirner, porque foi de lá que tirei esta ideia. Como ele diz, vivemos rodeados de “fantasmas”, ideias e sistemas que não têm uma base concreta ou real. São conceitos abstratos que exercem controlo sobre o indivíduo e afastam-no do seu verdadeiro potencial. As teorias da conspiração, como qualquer ideologia ou religião, servem quem as cria, não o nosso interesse. Quem as desenvolveu, encontrou uma forma de convencer os outros que o seu objetivo era altruísta, e visava o bem comum. Mas, se os conspiradores chegassem ao poder, seríamos autónomos e livres? Deixo-vos uma frase que se aplica perfeitamente a este tema: “Todos têm uma ideia muito nobre para embelezar a causa de si próprios”.
Descartes
Não posso deixar de parte a hipótese de sermos marionetas nas mãos de poderes malignos. Mas, mesmo que a verdade não esteja ao meu alcance, uma coisa, apesar de tudo, depende de mim, acreditar naquilo que me tentam impor. Nada me impede de duvidar, sempre. Se essas entidades poderosas existirem, por mais astutas que sejam, não são capazes de me impor nada. Mesmo que abusem de mim, não podem impedir-me de negar-lhes a minha crença e, ao fazê-lo, da experiência interior do meu próprio pensamento. Esta é a ideia que apresentei nas minhas Meditações Metafísicas. Se quando sonhamos não sabemos que estamos a sonhar, como saber se tudo o que sentimos não passa de um sonho também? Se já acreditamos ser verdade algo que afinal não era, como garantimos que o que pensamos agora não é igualmente falso? Pelo prazer de pensar e de levar a cabo o meu raciocínio, coloquei a possibilidade da existência de um “Génio Maligno” que tenta impor-me, constantemente, ideias falsas. A partir dessa ideia, terei de estar sempre alerta, de duvidar de tudo em que acredito. Algumas das crenças que possuo, podem ter sido obra do esforço desse génio maligno que me tentou enganar. Sei que este pensamento se parece com uma teoria da conspiração, mas, ao contrário do conspirador, que acredita cegamente e não consegue impedir-se de aderir àquilo que sabe poder ser falso, na alegria da experiência cartesiana da dúvida, recuso-me a aderir àquilo que sei que é verdade, pelo simples prazer de questionar. E, “mesmo que tudo seja apenas ficção, pelo menos penso. E ao pensar, existo como algo que pensa.” Penso, logo existo.
Findo o exercício, diferenciemos. Se as teorias da conspiração promovem certezas e são alimentadas pela vontade de concluir, o pensamento filosófico encoraja a curiosidade aventureira sobre o funcionamento do mundo. Os filósofos projetam para o futuro vários cenários possíveis e disponibilizam o pensamento à sua própria contestação. Os conspiracionistas detém crenças enraizadas, voltadas para a simplificação do passado, e têm finalidades totalizantes. Se uma teoria filosófica se propagar, é possível que saiamos mais emancipados. Se as aspirações de uma teoria da conspiração se concretizassem, provavelmente todos pensaríamos o mesmo. No mínimo, aborrecido.
- Virginie Despentes
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