Fabiana Lopes Coelho Fabiana Lopes Coelho

Os misóginos.

O problema dos misóginos não é não querem saber das mulheres, mas serem obcecados por elas, interessarem-se demasiado por elas, não conseguirem viver sem elas, ficarem perdidos sem elas, terem medo delas, quererem dominá-las, mas sentirem-se dominados por elas. Só há um tipo de misógino que não gosta verdadeiramente de mulheres, o homossexual reprimido. Mas, enquanto este apenas se quer ver livre das mulheres, para satisfazer os seus reais desejos, os outros estão sempre a pensar nelas.

(Pausa inicial para exemplos do livro O fruto proibido, de Liv Strömquist:

John Harvey Kellogg, (sim, o dos Corn Flakes, que também era médico), pensava tanto nas mulheres, e tinha tanto medo que elas se masturbassem, que publicou um livro no qual apresentou A CURA para o onanismo, “a aplicação de ácido fénico puro no clitóris”. E perguntamo-nos, por que não se concentrou apenas no milho?

Dr. Isaac Bake Brown achou que a solução mais fácil era simplesmente a excisão do clitóris.

Santo Agostinho que, nas suas “Confissões”, diz que na juventude gostava de sexo e que “dar e receber amor é maravilhoso. Um corpo desejado dá especial prazer”, deixa de o praticar, mas passa os dias a pensar e a escrever sobre o tema, de como não era uma dádiva de Deus, mas uma traição a Deus, e que a mulher era especialmente pecaminosa (claro), porque foi por culpa dela que Adão comeu o fruto proibido. E perguntamo-nos, por que ficou obcecado em demonizar o sexo? Por que não se contentou apenas com o seu celibato?

Freud, que, como sabemos, percebia imenso de sexo e mulheres, lançou uma teoria, surgida do nada, e sem qualquer fundamentação: as raparigas jovens teriam orgasmos clitorianos, mas a sexualidade da mulher madura implicava orgasmo vaginal. Ou seja, mulheres adultas não se masturbam, apenas se satisfazem com relações heterossexuais de penetração vaginal. Marie Bonaparte que, vai-se lá saber porquê, achou que Freud tinha razão, contratou um cirurgião para deslocar-lhe o clitóris para perto da vagina, o que, como ficou registado, não funcionou. A princesa Bonaparte achou, portanto, mais fácil deslocar cirurgicamente o seu clitóris, do que deslocar a mão do príncipe Jorge.

Acabou a pausa.)

Os misóginos dizem que não gostam das mulheres, mas adoram o feminino, porque ele simboliza a mulher abnegada que os serve, cuida e mima, a nossa senhora que os embala na manjedoura, a mãe que lhes carrega as despesas emocionais ou a empregada doméstica dos tempos de infância, que era como uma mãe, ou simulava ser, já que, ainda que pudesse ter-lhe afeto, não voltaria no dia seguinte se não lhe pagassem.

Os misóginos adoram mulheres, mas apenas as que estão ao seu serviço. As que os agradam, distraem, dão segurança, que se ocupam do seu interior, lhes criam os filhos, e as que simulam, para eles acharem que são muito bons na cama, quando não fazem a mínima ideia do que estão a fazer, e não terem de aprender, porque se uma mulher não tem prazer com a inaptidão dele, claro que tem algum problema.

Os misóginos adoram mulheres frágeis, porque mulheres sem medo metem muitíssimo medo. É o triunfo a baixo custo, a força dos fracos. Não seria muito mais divertido se acertassem nos pássaros maiores? Que valentia essa, a de disparar sobre os pequenos ou já mortos.

Quanto mais faltam qualidades viris ao misógino, mais ele vigia o comportamento das mulheres. As mulheres deveriam ser apenas bonitas, meigas e subtis. Como é que um misógino vai sentir-se viril se não tiver quem valide a sua virilidade? A virilidade das mulheres é profunda e duradoura porque foi conquistada a ferros. (Segunda pausa, agora para irem ao dicionário saber o que quer dizer viril e perceber que as mulheres corajosas não precisam de ter músculos ou muitos pêlos, ainda que possam perfeitamente tê-los, se lhes apetecer). Uma mulher não perde a virilidade porque um homem não a valida. Para se tornar viril, ela teve de resistir a todas as não validações. Como a dos homens depende da validação das mulheres, vivem no terror de a perder, da mesma forma que uma mulher dependente financeiramente fica aterrorizada com a possibilidade do homem não a querer.

Para os misóginos, a mulher que não obedece é louca e desequilibrada, porque o equilíbrio, como todos sabemos, repousa na obediência.

Para um misógino, uma mulher que faz o que quer, e não o que ele quer que ela faça, é sempre maldosa, só pode ser maldosa, e não há outra justificação para o comportamento dela que não seja a maldade.

Como sofro de empatia extrema, tenho alguma pena dos misóginos. Ser machista também não é fácil. Ter de fazer-se valente quando se está triste, ter de proteger em vez de ser protegido, ter de simular que se quer lutar, quando se está vulnerável e se quer ser acarinhado, não poder chorar, quando era o que precisava, ter de ser sempre muito potente, muito dotado, muito forte, quando o sempre é uma ficção impossível de suportar, porque não existe.

Não gostar das mulheres é penoso, é um sofrimento que não compensa. Asseguram-me os feministas, que, segundo dizem, divertem-se imenso.

Leia mais
Sexo Fabiana Lopes Coelho Sexo Fabiana Lopes Coelho

O prazer do texto.

Mal abro as hostes do meu e-mail, começam logo a brotar parvoíces. Como a resposta a um deles é serviço público, e de outro modo não responderia, vou colocá-la aqui. Pode ser que tenham a mesma dúvida.

“Ao que parece, não sabe muito bem a diferença entre hipersexualização e liberdade sexual. Aqui vai uma pequena ajuda:

Visto-me de forma sexy (seja lá o que isso for), apesar de sentir-me desconfortável, para me integrar socialmente e porque acho que esse é o meu valor de troca.

VS

Visto-me de forma sedutora (seja lá o que isso for), porque a encenação aumenta a minha potência de diversão.

O meu objetivo é agradar e dar prazer.

VS

O meu objetivo é partilhar e ter prazer.

Reproduzo a estética pornográfica nos meus atos sexuais porque não sei distinguir cinema de realidade.

VS

Vejo pornografia porque me excita, mas admito que tenho péssimo gosto e que a maioria dela reproduz estereótipos de gente néscia.

Não compreendo a diferença entre um órgão sexual e um ser humano inteiro.

VS

Fiz um trabalho na faculdade sobre a Jouissance do Lacan e o Corpo Sem Órgãos do Deleuze e do Guattari.

Tenho a certeza que todas as mulheres têm algo em comum.

VS

Admito que não me conheço, quanto mais ter a pretensão de conhecer todas “as mulheres”.

Tenho objetivos de performance sexual.

VS

Percebo que a cama é mais uma pista de dança do que um ginásio.

Faço intervenções plásticas para sentir-me mais desejável.

VS

Compro um livro sobre a semiótica do desejo.

Acho que o órgão sexual feminino é uma cavidade e nunca ouvi falar de vulvas.

VS

Sei o que é um clitóris e o que fazer com ele.

Tenho a Fundamentação da Metafísica dos Costumes na mesinha de cabeceira.

VS

Leio Bataille para me embalar antes de adormecer.

Instalei luzes fluorescentes em toda a casa para ver tudo muito bem.

VS

Até na cozinha tenho candeeiros com regulador de intensidade.

Chamo frígida a uma mulher que não quer fazer sexo.

VS

Compreendo que há muitos motivos para alguém não querer fazer sexo, sendo a falta de interesse em mim um deles.

Considero-me a Madre Teresa por dedicar muito tempo aos “preliminares”.

VS

Sei que é pateta chamar “preliminares” à parte da estimulação feminina porque ela JÁ é o ato sexual, não a entrada para o prato principal, que seria o meu prazer. Inclusivamente, costumo dizer “Aquela mulher é excelente! Até insiste em satisfazer-me depois de se vir!”

Sei que “Come as you are” é uma música dos Nirvana, mas considero o meu pénis ou seios demasiado pequenos.

VS

Li o livro homónimo da Emily Nagiski e descobri que os orgasmos acontecem no cérebro, não nos genitais.

Comporto-me como um produto sexual, um verdadeiro macho, e sigo todas as instruções das revistas masculinas.

VS

Divirto-me, apenas.

Sou obcecado por sexo.

VS

Sei que há muitas formas de ter prazer na vida, sendo o sexo uma das melhores.

Sou um burgesso.

VS

Sou alguém com quem vale a pena copular.

Leia mais
Fabiana Lopes Coelho Fabiana Lopes Coelho

Amor: sexo e metafísica.

Toda a gente já sentiu aquela chicotada no cérebro. No momento em que olhamos para ele ou para ela, o queixo cai-nos, os olhos saltam-nos das órbitas, a realidade suspende-se. Começamos a ver tudo de forma diferente. Sideramos. Eis o amor, a experiência natural mais pungente, hipnótica e extasiante do ser humano.

Inflamados, começamos a imaginar o outro e apaixonamo-nos pelo que é perfeito nele. Não é preciso que ele seja perfeito em tudo, mas tem que encarnar alguma forma de perfeição. A nossa personagem tem que ser superior aos outros, ultrapassar o resto da humanidade em alguma coisa. Apaixonamo-nos pela nossa imaginação. Por isso é que no "Banquete", de Platão, Sócrates diz que o “erro surge por se considerar que o amor é aquilo que se ama e não aquilo que ama”. Não cometer o erro significará, então, dizermos que o amor tem mais a ver com a forma como amamos do que com a pessoa que amamos. Ou, como diria Barthes, “é o amor que o sujeito ama, não o objecto”. Mas, se não é a pessoa que amamos mas o nosso estado de enamoramento, porque razão desejo aquela pessoa e não outra? Amamos quem queríamos ser, quem nos é útil ou quem nos satisfaz.

É por este motivo que há quem considere que toda esta história é uma grande facécia, que o amor é uma invenção bizarra que tem por objectivo sentimentalizar o instinto sexual. Ou seja, tal como os outros animais, o que procuramos é sempre sexo. E esse instinto cega-nos até conseguirmos satisfazer-nos . Mas, mesmo que o amor não seja mais do que uma ilusão, os sentimentos que desperta são reais. E, se ninguém deixa de dormir, comer e até se suicida por deixar de ter sexo, a que se deve a imensidão do desgosto amoroso?

Quando termina um amor, não é a pessoa que se perde. É o sentido da nossa existência. Claro que podíamos encontrá-lo de várias formas. Na contemplação, passando os dias na natureza, a reflectir, a aprofundar o pensamento. Na acção, prosseguindo uma causa, como a igualdade, a justiça ou a luta contra o racismo. Ou na diversão, na boémia, na transgressão. Mas não há nenhum que empilhe todos os sentidos da vida como a paixão. Ela é uma ideia, uma causa, que nos impele a contemplar, agir, cooperar, arder e andar à deriva. Absorve todos os sentidos, a vida toda. Deve ser por isso que o amor é o objectivo último de quase todas as aspirações humanas. E será também por isso que dá origem aos maiores sofrimentos. A violência da paixão é tal que serve de consolo para a maior dor da consciência humana: deixamos até de nos lembrar que um dia vamos morrer. Achamos que vamos ser felizes para sempre. Ou, como diria Cesare Pavese, nos seus diários, "Ninguém se mata pelo amor de uma mulher. Matamo-nos porque um amor, não importa qual, nos revela a nós mesmos na nossa nudez, na nossa miséria, no nosso estado inerme, no nosso nada”.

E o que fazemos, então, quando a paixão acaba, seja porque deixamos de a sentir, seja porque o outro se foi embora'? Como evitamos o sofrimento do amor?

Há quem preconize uma entrega desenfreada às relações sexuais para evitar os perigos de uma paixão única, e há quem apregoe a domesticação das pulsões carnais para nos defendermos das atrocidades do amor. Mas, seja para não corrermos o risco de substituirmos uma dependência emocional por uma dependência sexual, seja para não deixarmos de viver a experiência mais singular da vida humana, alcancemos a autonomia individual, a auto-suficiência emocional. Embriaguemo-nos também com arte, com ideias ou com festas. Viver ao contrário da natureza é remar contra a maré, mas procuremos a felicidade não só na busca do prazer também na lucidez, na independência relativamente a falsas necessidades e a preconceitos que criam frustrações. Em união ou em celibato, não expectemos a satisfação de todas as nossas necessidades no outro. Há pessoas que vivem acompanhadas e sentem uma profunda solidão e há celibatários que nunca se sentem sozinhos. Desprezemos os discursos falaciosos das servidões no amor. É que no início, durante e no fim, vestidos ou despidos, o inferno não é o outro, somos sempre nós.

Leia mais
Fabiana Lopes Coelho Fabiana Lopes Coelho

Instinto sexual.

Se, como afirma Schopenhauer, o amor é uma invenção bizarra que tem por objectivo sentimentalizar o instinto sexual, a que se deve a imensidão do desgosto amoroso?

Leia mais