Doente? Vamos ao filósofo.
Nunca se tratou e se falou tanto de saúde. Fazemos visitas regulares aos hospitais e às clínicas, exames médicos consecutivos, medicamentos, consultas, dietas, "fitness" e todas as outras tentativas de conquistarmos bem-estar. Mas parece que não é suficiente. Continuamos débeis, sem energia, doentes. Para dar uma resposta a esta contradição, procurei em livros e revistas de filósofos, que me responderam assim.
Hipócrates
Se queres curar-te, tens de mudar os hábitos de vida. Qualquer pessoa, independentemente do nível socio-económico, pode ser saudável. A primeira regra no caminho da saúde é usar os alimentos como medicamentos. Alimentar-se bem, portanto. A segunda é caminhar. Pouco. A ideia não é desgastar o corpo mas oxigená-lo. O descanso também é importante. E a terceira é a moderação. Todo o excesso se opõe à natureza. “É perigoso evacuar, alimentar-se, aquecer-se, ou, de qualquer modo, perturbar o organismo, excessiva ou subitamente.” Por último, tem em consideração a estação do ano, a idade, e o local onde vives, para adequares o estilo de vida ao teu meio. Já sabes que os mais novos têm maior necessidade de desgaste energético do que os mais velhos e que, por exemplo, há doenças que aparecem no Inverno e outras no Verão. Resumindo: para seres saudável, come pouco, sobretudo vegetais, caminha meia hora por dia e não faças nem consumas nada em excesso.
Séneca
Até podes fazer tudo o que o Hipócrates diz mas não é isso que vai determinar a tua saúde porque a alma é tudo. Se ter um corpo pleno de saúde é o teu propósito de vida, não te surpreendas se ficares doente. Porque não depende de ti. Todos ficarão doentes alguma vez na vida. A única coisa que depende de ti é a forma como lidas com a doença. E para lidar com ela é preciso domar a mente como se doma um cavalo bravo. O mais importante é “não ceder à propensão de nada fazer para a qual nos inclinamos quando ficamos doentes”. No início, debilitado, tens de agir antes de teres vontade. Tens de forçar os hábitos, até que eles se tornem automáticos, novamente. Continua a alimentar-te correctamente, a arranjares-te, bebe um bocado de vinho, vai dar um passeio. Faz a maioria das coisas que fazias antes de estar doente, apesar de agora exigirem mais esforço. Quando a doença passar, sairás mais forte. O importante é não te deixares vencer. Muitas vezes somos enganados na farmácia porque nos dão medicamentos em vez de princípios. A saúde está na nossa cabeça. Se tiveres medo da doença, ela dominar-te-á.
Descartes
Concordo totalmente com o Hipócrates: comer bem, caminhar e seguir a moderação da natureza. Inclusivamente, foi nas minhas caminhadas matinais que tive a ideia do “Discurso do Método”. Mas o medicamento que mais cura é a alegria. Escreve uma lista do que te alegra e dá prioridade a isso. O conjunto dos teus órgãos funciona como um relógio: se retirares uma peça, tudo se transforma. E, infelizmente, a tua alma e o teu corpo estão conectados. As paixões da alma, o desejo, o amor, o ódio, a alegria e a tristeza são pensamentos que provocam diferentes estados no corpo. Assim, tem cuidado com as prescrições e confia mais na experiência que tens do teu corpo. Segue os teus instintos. “A causa mais comum da febre é a tristeza”, escrevi um dia à minha amiga Élisabeth de Bohéme, a quem dediquei os meus “Princípios de Filosofia”. Se sofreres de um tal estado, desvia a atenção para as coisas simples: olha para as flores, caminha na praia, conversa com amigos, o que te alegrar. A doença é uma coisa um bocado estranha: ela está, ao mesmo tempo, no nosso órgão infectado e no nosso cérebro.
Nietzsche
Esquece tudo o que foi dito até aqui. Todas as propostas éticas ou teóricas não são mais do que a domesticação dos sintomas ou dos afectos. Há sempre quem queira restringir a afirmação da tua vontade, reprimindo os teus instintos, em nome de um tal altruísmo. Supostamente, os médicos pretendem ajudar-te mas o que fazem é dar-te ordens sobre como deves tratar o teu corpo e a tua alma, afirmando a vontade deles, não a tua. Eu passei a vida a sofrer de difteria, sífilis, enxaquecas permanentes e, nos últimos anos, de demência. Portanto, eu pergunto-te: por que é que tens medo da doença? É dela que nasce a “grande saúde”, aquela em que tu usaste a doença para fazer qualquer coisa que não farias se nunca tivesses ficado doente. Se eu não tivesse sofrido tanto, nunca teria escrito nada. A doença obrigou a isolar-me e a tornar-me lúcido sobre as pessoas. Claro que as tuas doenças far-te-ão sofrer, mas não há que ter medo! As sensações de prazer e de desprazer resultam da forma como interpretamos as excitações exteriores. Eu utilizo remédios e já experimentei todas as dietas. Acima de tudo, depende do meu estado de espírito. Mas se insistires para te dar os meus “segredos”, eu digo-te que é caminhar e dançar. Longe de mim propor-te uma terapêutica universal! Eu inclino-me sobretudo para uma “saúde triunfante”, mas também é necessário aceitar o carácter trágico da existência.
Georges Canguilhem
O Nietzsche tem alguma razão no que diz. A atitude médico-paciente “repousa sempre numa relação de obediência, refugiada num tecnicismo que não é mais do que uma forma de dominação. Hoje, já não é o paternalismo benfeitor do médico-pai que está em causa, mas a técnica, armada de benfeitores incontestáveis, que ela prevê, reforçando esta figura do biopoder do Foucault.” Ora, as relações de cuidado não podem ser de obediência. Para te curares, e tendo em conta as tuas novas condições, deves criar as tuas novas regras de vida. Quando se perde o luxo biológico, tal como quando se perde o luxo económico, é preciso modificar os hábitos. Há que se adaptar à nova condição. A ideia não é seguir as normas que os médicos ou quem trata de nós nos impõem, mas reconquistar uma parte da nossa capacidade de normatividade. Por isso é que eu considero que os melhores remédios são as técnicas: quando a mão já não é suficientemente forte para apanhar os objectos, inventamos a pinça. Assim, as doenças são ocasiões para inventar ferramentas que as superam. É o momento para o desenvolvimento de novas capacidades, fazendo deste constrangimento imposto uma ocasião para um desenvolvimento florescente.
Pendura-me na parede de um museu.
O problema de toda a gente andar obcecada com o melhoramento do corpo é o mesmo de toda a gente andar afogada em enormes quantidades de imagens publicitárias e instagrâmicas. A coação da hipervisibilidade reside no facto de só o valor de exposição contar. Não há nada para além do corpo. Não há narrativa.
Se o remédio é abrandar, por que continuamos a correr?
Um espectro atravessa os novos tempos, o da exaustão. Vivemos a violência do excesso: de informações, estímulos e impulsos. Nunca paramos. Estamos sempre a produzir, a render, a comunicar. Corremos como gazelas mesmo sentados. E se em algum momento surgir um tempo vazio, corremos a ocupá-lo. A violência da sociedade actual já não é só disciplinar, também é neuronal.
Passamos de criar loucos e criminosos para conceber esgotados, frustrados e deprimidos. As doenças paradigmáticas da nossa época, como o transtorno por défice de atenção e hiperactividade, o transtorno de personalidade "borderline" ou o síndroma de "burnout" não têm origem num vírus, na alteridade. O inimigo fundiu-se em nós, está no próprio sistema. A doença nasce no corpo sobreaquecido, e alastra-se como metástases, minando silenciosamente as nossas almas. E a pergunta impõe-se. Se a exaustão nasce do excesso, e dá origem a uma autoagressão apática e progressiva, por que é que não diminuímos, retiramos, cessámos? Se o remédio é abrandar, porque continuamos a correr?
Primeiro, estamos sobreocupados porque há uma pressão constante para um maior rendimento. O objectivo da sociedade actual é claro: o ser humano é uma máquina que tem que maximizar a sua produção e funcionar sem falhas e interrupções. É por este motivo que há cada vez mais medicamentos para aumentar as capacidades físicas e intelectuais, que nos permitam continuar mesmo quando já ultrapassamos os nossos limites. Ou a razão do aumento do consumo de drogas para entretenimento. Esgotados, deixamos de ter a capacidade de nos divertir, enfraquecemos, separamo-nos.
Depois porque, na era moderna, sem crenças, sem convicções e isolados, sem nada que nos garanta duração ou estabilidade, precisamos a todo o custo encontrar um sentido de vida. A ocupação constante é uma tentativa de esquecimento da nossa finitude. Alienamo-nos voluntariamente para vestir esta vida nua. Mas vesti-la desta forma não só não nos tira o frio, como está a tornar-nos angustiados, frustrados, deprimidos.
O ser demasiado ocupado é um ser automatizado. A hiperactividade não é mais do que um sintoma de esgotamento nervoso que resulta numa hiperpassividade. Quando estamos exaustos, deixamos de conseguir resistir aos estímulos. Ficamos diminuídos das nossas capacidades. Não tomamos decisões livres. Fazemos tudo por impulso, não porque escolhemos fazer. A máquina não consegue deter-se. Ou, como diria Nietzsche, “tal como uma pedra, o homem activo rebola ao sabor da estupidez mecânica.” E o frenesim apenas acelera o que já existe. Não gera nada de novo. Só a contemplação do descanso permite o pensamento, a criação.
Talvez seja por isto que Pascal dizia que “toda a infelicidade dos homens vem de uma só coisa, que é não saberem ficar quietos dentro de um quarto” ou que o último filme de Godard termine com Roxy, um cão que passeia, brinca e dorme sestas no sofá, num Adeus à linguagem. O não-fazer, o descanso profundo, o tempo sem tempo, proporciona-nos uma serenidade especial. Descansados, rejuvenescemos, gostamos mais dos outros. As coisas começam a reluzir, a bruxulear. Neste mundo frenético, de uma imensa necessidade de paz, urge, pois, parar, interromper, descansar.
Agora, nem eu vendo nem tu compras maçãs a um preço justo.
Houve um tempo em que as maçãs nasciam das árvores sem intervenção humana. Os ciclos naturais das águas, das terras, dos ventos e do sol reuniam tudo o que era preciso para que as maçãs brotassem saudáveis. Depois, começou-se a cultivar macieiras. O agricultor tirava sementes de uma maçã e punha-as na terra. Para continuar a ter cada vez mais maçãs, começou a tratar as árvores. Primeiro, podava-as e fazia outras coisas que as ajudavam a crescer. Mas, como esse procedimento não garantia que ele tivesse todas as maçãs que queria, começou a comprar uns produtos feitos em laboratório, que se põem nas macieiras para as maçãs crescerem muito rápido. Também experimentou uns pós para matar ervas e os bichos que costumavam comer algumas maçãs. Mas o agricultor queria ainda mais maçãs, maiores e mais baratas, por isso, em vez de usar as sementes da macieira, passou a comprá-las a empresas que as fabricam em laboratórios, que são modificadas geneticamente para crescerem rapidamente, sem a natureza a atrapalhar. São todas iguais e grandes. Há quem diga que essas coisas e sementes que põem na terra e nas macieiras contaminam o ambiente, provocam cancro e outras doenças muito complicadas, mas não é por isso que estou a contar esta história.
Nesse tempo, antes dos pós e das sementes criadas em laboratório, apanhava as maçãs das árvores, ou comprava-as ao agricultor, e comia-as. Ou não pagava nada por elas, eram uma espécie de oferta da natureza, ou pagava, vamos apenas exemplificar, três cêntimos por cada maçã, ao agricultor. Ele argumentava que eu lhe deveria pagar porque tinha tido o trabalho de as cultivar, proteger e apanhar. Primeiro, não concordei. Afinal, eu tinha-as de graça, podia apanhá-las, e ele agora dizia que as árvores eram dele. Mas depois entramos em consenso. Ele apanhava-me as maçãs e eu pescava, ainda que sempre me tenha recusado a domesticar os peixes, como ele fez com as macieiras. “Se não tens maçãs para colher, podes sempre colher laranjas ou pêras e, em cada época, vendes o que a natureza te oferece sem esforço. Não percebo porque queres vender só maçãs.” Começou-me a falar de um tal efeito de escala, mas ignorei-o. Era um bocado ganancioso, por isso devia ter qualquer coisa a ver com isso. Eu sempre preferi dormir a sesta a dominar o mundo, por isso, especializei-me nela e na arte de pescar no mar.
Um dia, cheguei a casa do agricultor, chamei por ele, e não obtive reposta. À porta, tinha uma folha A4, com uma morada, que dizia: “Para comprar as minhas maçãs, dirija-se ao meu distribuidor”. Que chatice, agora tinha que andar não sei quantos quilómetros para comprar as maçãs. Tanto as sardinhas como as maçãs iam ficar uma porcaria com o calor. Mas como só havia aquelas macieiras na terra (o agricultor apropriou-se de todas), lá tive que ir ao distribuidor. Finalmente, chego ao destino e, para meu espanto, vejo milhares de maçãs de todas as cores e feitios, cartazes gigantes e uns anúncios a piscar cores ácidas que diziam que aquelas maçãs eram as melhores do mundo. Tudo aquilo para vender umas maçãs? Quando tive de pagar sete cêntimos por cada maçã, percebi. Três cêntimos eram para o agricultor e quatro cêntimos para construir o parque de diversões das maçãs.
Mas nisso enganei-me. Quando encontrei o agricultor, uma vez, na praia, disse-me que agora só ganha um cêntimo por cada maçã, e que se não vendesse àquele preço, o distribuidor não lhas comprava. “Porque não voltas a vendê-las tu?”, perguntei-lhe. “Sabes, agora ninguém compra maçãs ao agricultor. É sempre ao distribuidor. Ele faz muita publicidade e convence as pessoas que as maçãs que ele vende são as melhores e as mais baratas. Não teria clientes. Ao menos, assim, garanto algum. E, sabes, tenho de as deixar lá e só recebo o dinheiro quando forem vendidas, o que significa que ele recebe o dinheiro das maçãs primeiro do que eu, e aplica-o no banco até mas pagar. Além de ganhar dinheiro com a venda das minhas maçãs, também ganha juros do meu dinheiro. E diz que aquilo tudo é para pagar o trabalho de as pôr nas prateleiras e de as promover. Que tristeza. Agora, nem eu posso vender nem tu podes comprar maçãs a um preço justo”. “É verdade”, respondi. “Queres que te ensine a pescar?”
Amor: sexo e metafísica.
Toda a gente já sentiu aquela chicotada no cérebro. No momento em que olhamos para ele ou para ela, o queixo cai-nos, os olhos saltam-nos das órbitas, a realidade suspende-se. Começamos a ver tudo de forma diferente. Sideramos. Eis o amor, a experiência natural mais pungente, hipnótica e extasiante do ser humano.
Inflamados, começamos a imaginar o outro e apaixonamo-nos pelo que é perfeito nele. Não é preciso que ele seja perfeito em tudo, mas tem que encarnar alguma forma de perfeição. A nossa personagem tem que ser superior aos outros, ultrapassar o resto da humanidade em alguma coisa. Apaixonamo-nos pela nossa imaginação. Por isso é que no "Banquete", de Platão, Sócrates diz que o “erro surge por se considerar que o amor é aquilo que se ama e não aquilo que ama”. Não cometer o erro significará, então, dizermos que o amor tem mais a ver com a forma como amamos do que com a pessoa que amamos. Ou, como diria Barthes, “é o amor que o sujeito ama, não o objecto”. Mas, se não é a pessoa que amamos mas o nosso estado de enamoramento, porque razão desejo aquela pessoa e não outra? Amamos quem queríamos ser, quem nos é útil ou quem nos satisfaz.
É por este motivo que há quem considere que toda esta história é uma grande facécia, que o amor é uma invenção bizarra que tem por objectivo sentimentalizar o instinto sexual. Ou seja, tal como os outros animais, o que procuramos é sempre sexo. E esse instinto cega-nos até conseguirmos satisfazer-nos . Mas, mesmo que o amor não seja mais do que uma ilusão, os sentimentos que desperta são reais. E, se ninguém deixa de dormir, comer e até se suicida por deixar de ter sexo, a que se deve a imensidão do desgosto amoroso?
Quando termina um amor, não é a pessoa que se perde. É o sentido da nossa existência. Claro que podíamos encontrá-lo de várias formas. Na contemplação, passando os dias na natureza, a reflectir, a aprofundar o pensamento. Na acção, prosseguindo uma causa, como a igualdade, a justiça ou a luta contra o racismo. Ou na diversão, na boémia, na transgressão. Mas não há nenhum que empilhe todos os sentidos da vida como a paixão. Ela é uma ideia, uma causa, que nos impele a contemplar, agir, cooperar, arder e andar à deriva. Absorve todos os sentidos, a vida toda. Deve ser por isso que o amor é o objectivo último de quase todas as aspirações humanas. E será também por isso que dá origem aos maiores sofrimentos. A violência da paixão é tal que serve de consolo para a maior dor da consciência humana: deixamos até de nos lembrar que um dia vamos morrer. Achamos que vamos ser felizes para sempre. Ou, como diria Cesare Pavese, nos seus diários, "Ninguém se mata pelo amor de uma mulher. Matamo-nos porque um amor, não importa qual, nos revela a nós mesmos na nossa nudez, na nossa miséria, no nosso estado inerme, no nosso nada”.
E o que fazemos, então, quando a paixão acaba, seja porque deixamos de a sentir, seja porque o outro se foi embora'? Como evitamos o sofrimento do amor?
Há quem preconize uma entrega desenfreada às relações sexuais para evitar os perigos de uma paixão única, e há quem apregoe a domesticação das pulsões carnais para nos defendermos das atrocidades do amor. Mas, seja para não corrermos o risco de substituirmos uma dependência emocional por uma dependência sexual, seja para não deixarmos de viver a experiência mais singular da vida humana, alcancemos a autonomia individual, a auto-suficiência emocional. Embriaguemo-nos também com arte, com ideias ou com festas. Viver ao contrário da natureza é remar contra a maré, mas procuremos a felicidade não só na busca do prazer também na lucidez, na independência relativamente a falsas necessidades e a preconceitos que criam frustrações. Em união ou em celibato, não expectemos a satisfação de todas as nossas necessidades no outro. Há pessoas que vivem acompanhadas e sentem uma profunda solidão e há celibatários que nunca se sentem sozinhos. Desprezemos os discursos falaciosos das servidões no amor. É que no início, durante e no fim, vestidos ou despidos, o inferno não é o outro, somos sempre nós.
15 anos de música que faz tremer.
Portugal é um país exótico no panorama musical ocidental. Em Inglaterra, nos E.U.A, em França ou na Alemanha há blues, há rock n´roll, punk, pós-punk, industrial, dance rock ou garage; em Portugal há fado, pimba e a música do não aquece nem arrefece.
Como os Parkinsons são daquelas bandas que aquecem muito, em 2000 foram para Inglaterra acelerar os ingleses, que lhes deram aquilo que Portugal não dá aos grandes músicos desobedientes: um grupo de fãs fiel e grandes destaques na comunicação social.
Como o bom aluno que não percebe nada da matéria, mas que copia tudo, a imprensa portuguesa imitou os destaques da imprensa internacional e pôs os Parkinsons em relevo nas páginas dos jornais. Depois, como os hábitos são muito difíceis de mudar, voltaram a encher os artigos com a música do assim-assim, que vende bilhetes para festivais de música de gente muito bem comportada, que só come o que as grandes empresas lhes põem na mesa. É o mundo do continua assim, a comprar-me tudo, que eu ainda tenho muitas roupas, "gadgets", e outras coisas muito "trendy" para te vender, e essa gente do rock porco, sujo e mau, que só gosta da música pela música, não me compra nada e só destabiliza. Enquanto isso, a banda de Victor Torpedo, um dos mais brilhantes músicos portugueses, Afonso Pinto, Pedro Chau e de nove bateristas diferentes (agora, Paula Nozzari), tocavam em grandes festivais europeus e enchiam salas no Japão.
O punk e os Parkinsons são daquelas raridades em Portugal em que as pessoas se reúnem à volta da música porque adoram música e não para serem ricos ou famosos. Claro que se pudessem viver da música, seria perfeito. Pagariam as contas a fazer o que mais amam. Mas não é por isso que fazem música, porque se fosse, não o fariam, já que, na maioria das vezes, perdem mais dinheiro do que aquele que ganham. Em Portugal, só quem está associado a grandes empresas pode ganhar dinheiro com a sua arte e ser dignificado pela comunicação social. E isto tem consequências muito profundas na cultura de um país. Uma cultura que não é livre é uma cultura que mutila o desenvolvimento humano e impede a sua emancipação. Como músico em Portugal, não posso criar o que quero, dizer aquilo que penso das grandes corporações, nem de tudo o que está à sua volta, porque são elas que me editam os meus discos, escrevem sobre os meus concertos, expõem os meus quadros ou publicam os meus livros.
Neste mundo pronto-a-usar, o punk é uma lufada de ar fresco, uma inocência desobediente perdida, onde os amigos pegam em instrumentos, puxam uns acordes e fazem qualquer coisa de novo. O punk diverte, o punk faz abanar as ancas, o punk emancipa. E é isso que os Parkinsons sempre fizerem com o seu público. No sábado passado, em Coimbra, num Salão Brazil a abarrotar de gente, completamente esgotado, mostraram aquilo que são, uma grande banda que incendeia o público e põe toda a gente a vibrar. Cantaram os clássicos, como a "Bad Girl", a "Angel in The Dark" e a "Primitive", cuja letra deu origem ao documentário "A Long Way to Nowhere", sobre a sua história, a ser exibido agora em Portugal; e as mais recentes, dos álbuns da Garagem , uma editora a não perder de vista. Há 15 anos a tocar música que faz tremer. É disto que Portugal precisa.
Desobediência.
Estava declarada a guerra aos mendigos da cidade. As instruções eram claras: os polícias deviam expulsá-los das ruas prestigiadas.
Um polícia viu, ao longe, um mendigo deitado no chão. Ordenou-lhe que saísse dali. O mendigo não reagiu. Gritou-lhe. O mendigo não reagiu. Pontapeou-o. O mendigo não reagiu.
As pessoas começaram a juntar-se à volta dos dois.
O polícia, aflito, pensou: “Não pode estar morto. Posso fazer tudo menos matá-lo. É o meu fim.”
Já em desespero, levantou o cobertor do mendigo para ver se estava vivo.
Era um mendigo de plástico, colocado por uma célula de mendigos desobedientes.
Nunca mais a cidade parou de rir do polícia.
(Sobre o primeiro capítulo d´A violência e o escárnio, de Albert Cossery)
Página 17.
“C’est le désastre obscur qui porte la lumière”.
Maurice Blanchot. In L'Écriture du désastre
A mulher e a sua propriedade.
Querida Catarina,
O problema começa quando te apaixonas. A partir desse dia, colocas a tua vida em suspenso e dedicas-te completamente ao outro. Deixas de ir ao jantar semanal com os amigos para estar com ele. Deixas de fazer desporto para estar com ele. A hora diária que passavas a ler ou a ver o teu programa preferido é substituída por uma hora à espera de uma mensagem ou de um telefonema, ou a acompanhá-lo nas actividades dele. Relegas a escola ou o trabalho para segundo plano e passas a agir de acordo com aquilo que pensas ser os gostos da outra pessoa. Acreditas que esse sacrifício vale a pena porque crês que o êxtase que sentes quando estás com ela é aquilo que sempre procuraste.
Entretanto, decidem viver juntos. Ao esforço emocional, acresce o esforço físico. Compras as matérias-primas para as refeições e para a limpeza da casa. Cozinhas, limpas, passas a ferro, serves as refeições e lavas a loiça. O teu novo trabalho não tem horário, não tem direitos de doença ou despedimento e muito menos remuneração. Fá-lo gratuitamente todos os dias na esperança de seres recompensada com amor e compaixão. É neste momento que começas a ficar exausta e, como verificas que o relacionamento está a piorar, esforças-te ainda mais, tentado agradar de todas as formas. Pode ser também neste momento que decides abandonar o teu trabalho para te dedicares a tempo inteiro ao companheiro, à casa e aos filhos. Se já tinhas perdido a independência emocional, agora também perdes a independência financeira. Tal como os escravos, trocas trabalho por um tecto e comida, tens de estar disposta sexualmente e ouvir frases como “A única coisa que sabes fazer é pedir dinheiro.” Ou “Mas porque é que estás cansada se estiveste todo o dia em casa?”
Pode chegar o dia em que pensas que isto aconteceu porque não és suficientemente bonita ou inteligente, que tens uma tendência natural para a depressão, para o histerismo ou mesmo para a loucura. Mas não acredites nisso. Esta história não é sobre beleza ou inteligência mas sobre autonomia, sobre o sacrifício que fazemos para recebermos do companheiro aquilo que precisamos de dar a nós próprias.
Para que isto não aconteça contigo, emancipa-te. Mantém a tua independência. Não importa se fazes “telemarketing”, se serves às mesas ou és empresária. Orgulha-te da capacidade que tens de sustentar-te. Não faças o trabalho doméstico que compete ao teu companheiro. Se ele não o fizer, não te apoquentes. Trata da tua comida e da tua roupa e segue em frente. Não te isoles dos teus amigos ou da tua família. Para não dependeres emocionalmente da outra pessoa, partilha o teu amor com outras pessoas, animais, natureza, música, livros, desporto ou outras paixões. Não controles nem deixes que te controlem. Prioriza sempre a tua dignidade, porque ela é, no fim de contas, a coisa mais importante que possuis.
Oito motivos para entrar na estalagem dos Oito Odiados.
Tarde livre. A chover. Entrei na sala de cinema a pensar que ia matar três horas com mais um filme do Tarantino. Apesar dos últimos não me terem cativado, é sempre uma escolha segura. Pelo menos, não ia ver cenários de videojogos. Mas não. O que aconteceu foi que viajei numa montanha, durante uma tempestade de neve, e entrei numa estalagem americana que me abrigou. Sentei-me à lareira, peguei numa caneca de café, e conheci oito pessoas surpreendentes.
Isto costuma acontecer-me na literatura: fascinar-me com as personagens e levá-las comigo para a vida, como se de amigos se tratassem. Sempre que tenho um dilema moral, penso no Rodion, do "Crime e Castigo"; quando tinha colegas de turma que decoravam tudo e não percebiam nada, lembrava-me do Euzebiozinho, d´"Os Maias"; quando um amigo fica muito invejoso e tenta de todas as formas ser importante, sorrio a pensar no Ulrich, d´"O Homem Sem Qualidades"; ou, quando conheço alguém neurótico que tenta agradar toda a gente, lembro-me logo do rapaz da bandoleira cor de laranja, do "Rei Pálido".
Mas foi a primeira vez que me aconteceu no cinema. Vim embora com o Major Marquis Warren, um negro nada típico, muito pouco coitadinho (no filme, obriga um branco a fazer-lhe sexo oral — a cena mais violenta da história — quais jorramentos de sangue qual quê), que sofre a discriminação de uma forma tão imponente, que ridiculariza quem o discrimina; com John Ruth, o homem que enforca pessoas mas é sensível (dá boleia a dois desconhecidos, ganha afecto por Daisy, a condenada, e evita a morte de um odiado); com Daisy Domergue, a assassina assustadora que adora o irmão, e por isso destrói a ideia binária de mulher-boazinha ou mulher-serpente.
Aliás, não há qualquer carga erótica na personagem, o que demonstra bem a inteligência de Tarantino ao delinear mulheres a sério e não bonecas de plástico cinematográficas, como é habitual no cinema, especialmente no americano; com Chris Mannix, o imbecil aparvalhado que de burro não tem nada; com Bob, o mexicano (para além das dicotomias norte-sul, negro-branco, homem-mulher, a questão rácica mexicana também é abordada), que me pôs a rir às gargalhadas com a cena da entrada na estalagem, directo ao cobertor e à lareira, por causa do frio; com Oswaldo Mobray, o homem que tem muitas peneiras mas escrúpulos nenhuns; com Joe Gage, o discreto que faz as maiores atrocidades, sempre com um ar muito inocente; e com o general Sanford Smithers, o velho racista reaccionário que matou meio batalhão de negros na guerra civil mas que é muito sensível e inofensivo quando fala do filho.
Os "Oito Odiados" dão para rir, dão para pensar no estado dos E.U.A., no estado da política e da sociedade em geral, dissertar acerca do que é a justiça e a injustiça, apreciar a complexidade das pessoas, nas suas várias camadas, e entrar num mundo onde não há apenas bons ou maus, bonitos ou feios, pobres ou ricos. Não há nada disso no filme do Tarantino. Apenas personagens densas, boa música e uma belíssima fotografia. Apenas inteligência.
A arte da resistência.
Há uma pergunta que assola o debate contemporâneo sobre a participação política: porque é que, apesar de sermos livres para nos insurgirmos contra este sistema político, que é totalmente injusto e contrário aos nossos interesses, continuamos calados? Há duas respostas clássicas a esta pergunta. E outra, que é a minha.
Há quem pense que os meios de comunicação social, a igreja, a escola e outros aparelhos ideológicos do Estado exercem uma influência tal que acabamos por acreditar nos valores que justificam a nossa própria subserviência. Esta teoria afirma, por exemplo, que nós acreditamos que estamos desempregados porque não somos suficientemente empreendedores. Outros sustentam que estamos calados porque acreditamos que esta ordem social é natural e que, independentemente do que façamos, os poderosos continuarão a mandar e os pequenos a obedecer.
Estas duas teses têm em comum o facto de afirmarem que estamos convencidos. Ou convencidos que este é o melhor sistema, ou que não há alternativa. Ou seja, estamos enclausurados numa teia ideológica que nos leva a ler o mundo de uma forma contrária aos nossos próprios interesses. Mas isso é condescendência da elite intelectual e económica. Pensar que estamos calados porque não compreendemos o que nos está a acontecer é típico de pensadores de gabinete. Ou de quem precisa justificar os privilégios da sua posição.
A nossa aparente subordinação é uma estratégia de sobrevivência, um teatro que nos dispomos encenar para nos protegermos das represálias a que estamos diariamente sujeitos. Isto pode acontecer no trabalho, para não sermos despedidos, em casa, para evitarmos uma agressão doméstica, ou na escola, para o professor não nos dar má nota.
Nós apenas podemos falar, insultar e revoltarmo-nos em espaços protegidos, onde quem exerce o poder sobre nós não nos oiça. Ou, em espaços vigiados, utilizando uma linguagem disfarçada, rumores, ameaças ou acções anónimas, entre outras formas de resistência. É a nossa guerra de guerrilha. E se acreditássemos que uns nasceram para mandar e outros para obedecer, não criaríamos poemas transgressores, canções de intervenção, ditos populares, peças de teatro satíricas ou utopias que ecoam um mundo imaginário onde ninguém pode exercer poder sistemático sobre ninguém.
É precisamente este discurso oculto, como lhe chama James Scott, o cimento para a acção política que, com determinadas condições, será trazido para o espaço público e que dá origem a reais transformações sociais. Não é de estranhar, portanto, que a maior preocupação dos governos autoritários seja vigiar todos os nossos passos, para não conseguirmos criar espaços próprios que permitam o seu desenvolvimento.
Até ao dia em que alguém tiver a coragem, ou a loucura, de dizer publicamente o que dizemos todos os dias clandestinamente, continuemos, pois, a alimentar as nossas conversas, em casa ou no café, as nossas associações, os nossos livros, as nossas músicas, os nossos eventos de iniciativa popular ou outros espaços nos quais somos livres de dizer o que realmente pensamos. Reforcemos os nossos espaços, que são agora de liberdade oculta, mas também a génese dos nossos espaços futuros de liberdade pública. E nesse dia, que alguém igual a nós se arriscar a trazer à luz o discurso reprimido, será a festa da libertação. Pode ser apenas um dia em que não tenhamos que fingir uma atitude de deferência. Mas também pode ser o primeiro dia da revolução.
Sem razão.
Em O Banquete, de Platão, Sócrates diz que o “erro surge por se considerar que o amor é aquilo que se ama e não aquilo que ama”.
Não cometer o erro significará, então, dizermos que o amor tem mais a ver com a forma como amamos do que com a pessoa que amamos.
Deve ser por isso que Barthes, nos seus Fragmentos, diz que “é o amor que o sujeito ama, não o objecto”.
Se não é a pessoa que amamos mas o nosso estado de enamoramento, porque razão desejo aquela pessoa e não outra?
Max Stirner responderia que “O amor do egoísta brota do seu interesse pessoal, corre para o leito do interesse pessoal e desagua de novo no interesse pessoal.” Em O Único e a sua propriedade.
Amamos quem queríamos ser, quem nos é útil ou quem nos satisfaz.
Sobre a felicidade.
“Reconheci a felicidade pelo barulho que fez ao sair”, escreveu Jacques Prévet. Era desta frase que eu andava à procura, embora nunca a tivesse lido antes. Talvez já fosse suficientemente feliz e não soubesse. Mas, por tristeza ou ganância, queria aumentá-la. Às vezes, a infelicidade é tanta, que acreditamos estar apenas à mercê da boa fortuna, o primeiro significado que a palavra felicidade teve. É preciso alguma sorte, disse Aristóteles, mas também conhecimento. O filósofo proclamava que a felicidade não desaparece facilmente porque a pessoa experiente deixa de estar sujeita aos reveses da fortuna. “Entre decidir ser feliz e poder dizer que o é, terá de ter vivido muito”. Deve ser por isso que se fala da fatalidade da criança mimada, a quem lhe foi dado tudo para ser feliz, mas como a felicidade não pode ser dada, não a possui. Tem de ser conquistada, procurada, encontrada. Já dizia Nietzsche que “cabe ao indivíduo descobrir os segredos dessa plenitude que nos engrandece”, ainda que afirmasse que todos os conselhos acerca da felicidade eram inúteis, porque não se poderia ensiná-la. Leibnz também defendeu a ideia de que o sofrimento pode ser um instrumento em benefício da felicidade e da alegria. Para usufruir da própria felicidade, é preciso ter conhecido a infelicidade.
E, antes que fiquem cansados do name dropping, deixo-vos mais dois ou três pensamentos. Os Epicuristas diziam que a felicidade não se alcança com a procura frenética do prazer. Para ilustrar a ideia, o filósofo alemão Robert Spaemann imaginou a seguinte experiência: colocamos um homem sobre uma mesa e, depois de estar a dormir, injetamos uma substância química no cérebro dele, em doses regulares, para lhe proporcionar um sentimento de êxtase permanente. Depois de várias décadas, quando o corpo estiver muito velho, é sacrificado. Quem quer experimentar? Ninguém! Todos sabemos que a felicidade não se confunde com o estado de prazer contínuo.
Também há quem diga que a felicidade é atingida por um paradoxo: escapa a quem a procura. Se tivermos em conta a lógica, percebemos que não pode ser obtida. Para Schopenhauer, o mecanismo do desejo contraria a ideia da obtenção da felicidade. A satisfação de um desejo não produz a felicidade, mas um novo desejo. Daqui poderia sair o seguinte conselho de Descartes, “tente sempre mudar os seus desejos, não a ordem do mundo”.
Antes de avançarmos para os estudos mais recentes, é importante não esquecer que a felicidade individual pode ser frágil. Aristóteles perguntou como era possível ser feliz com infelicidade ao redor. Apenas se tivéssemos uma concepção egoísta do mundo, disse, ou, pior, disfrutássemos do sofrimento alheio. A felicidade depende, pois, não apenas de ações individuais, mas também de ações políticas.
Os estudos mais recentes sobre a felicidade.
Enquanto estudava o tema, encontrei o curso “The Science of Well-Being”, lecionado pela professora Laurie Santos, na universidade de Yale. Pareceu-me interessante pois resumia os resultados de várias investigações científicas sobre o tema, com o bónus de apresentar dicas práticas dos especialistas para aumentar os nossos níveis de felicidade, as chamadas #psychprotips.
Para aferir os resultados apresentados, a universidade de Yale utilizou a metanálise, uma metodologia que combina os resultados de múltiplos estudos científicos para encontrar uma grande conclusão, que tenha um maior poder estatístico. O curso, disponível online, através da Coursera, tem duas versões, uma para adultos e outra para adolescentes. Fiz os dois, mas a segunda, mais atual, é mais simples e dinâmica.
O conceito de felicidade utilizado baseia-se em dois pressupostos: as pessoas felizes experienciam emoções positivas com mais frequência, e sentem que a sua vida é boa. Este é mais importante, alerta a investigadora, porque não devemos ter apenas emoções positivas. É suposto ficar-se triste com coisas tristes, com medo de coisas aterradoras, e com raiva perante as injustiças.
E como podemos sabemos se uma pessoa é feliz? Perguntando-lhe. Os cientistas que utilizam o método de “self-report” questionam os participantes sobre os seus sentimentos, crenças, e atitudes.
Aristóteles tinha ensinado que é impossível não querer perseguir a felicidade, pois a natureza fez da vida feliz o objetivo de toda a existência humana. Na verdade, mesmo que tenhamos a impressão de procurar outra coisa – amor, fama, dinheiro – esses são apenas os meios para a alcançar este bem supremo. Podemos econtrar esta ideia em estudos mais recentes. Avancemos, agora, para as conclusões das investigações contemporâneas e conheçamos o que têm em comum as pessoas mais felizes.
VIESES DA FELICIDADE
As primeira conclusão apresentada é que a nossa mente anseia por coisas que não nos fazem felizes porque sofre de vários vieses, tendo uma inclinação irracional para atribuir um julgamento mais favorável ou desfavorável a alguma coisa. Por exemplo, conseguimos prever que uma ida ao dentista não será agradável e que uma viagem ao Havai será boa. No entanto, a nossa mente não consegue prever que a ida ao dentista não será tão má como expectamos, nem a viagem ao Havai será tão boa como pensamos. Além da fraca previsão relativamente à intensidade do que vamos sentir, também sobrestimamos a duração desses sentimentos. Na prática, não nos sentiremos mal durante tanto tempo quanto esperávamos e os sentimentos bons também não durarão tanto quanto gostaríamos. O impacto dos eventos na nossa vida é sempre inferior àquele que a nossa mente prevê.
Há três grandes vieses da felicidade: a habituação, a comparação com os outros, e a limitação da nossa atenção. Para todos, temos conselhos dos especialistas para os ultrapassar.
1. Habituamo-nos às coisas, e não sabemos disso.
O primeiro grande viés da felicidade é a adaptação hedónica. Habituamo-nos de tal modo a estímulos positivos e negativos, que os efeitos emocionais desses estímulos atenuam-se à medida que o tempo passa. Se tivermos um aumento, ficamos felizes, mas duas semanas mais tarde, continua tudo igual. E o mesmo acontece com as coisas más. O nosso corpo tem um sistema imunitário psicológico, um conjunto de mecanismos inconscientes, que nos ajuda a recuperar de maus eventos. Teve mau desempenho ou má nota? Foi, certamente, porque a chefe não avaliou bem ou o professor explicou mal. Muitas vezes, não nos desafiamos suficientemente por anteciparmos que, caso falhemos, sentir-nos-emos muito mal e durante muito tempo. Mas, comprovam os estudos, não nos sentiremos assim tão mal, e perderemos muitas oportunidades.
Dicas dos especialistas para lidar com a adaptação hedónica e aumentar os níveis de felicidade:
Não podemos eliminar a adaptação hedónica, mas podemos lidar melhor com ela.
Para a contrariar, preste atenção às coisas boas que tem. Pode fazê-lo escrevendo uma pequena lista de coisas que gosta na sua vida. Ou tirar fotografias a coisas que está a apreciar num determinado momento.
Também funciona fazer visualizações negativas, uma ideia dos estoicos da Grécia Antiga. Para obtermos um incremento de felicidade, podemos visualizar uma coisa má.
Num dos estudos apresentados, os casais tiveram de escrever, durante 15 minutos, como seria a sua vida se nunca tivessem conhecido os parceiros. Ao outro grupo pediram que apenas escrevessem sobre como se conheceram. As pessoas que descreveram a experiência negativa tiveram um aumento significativo dos níveis de felicidade, em comparação com as que apenas descrevam o primeiro encontro.
Invista em experiências, não em bens materiais. Habituamo-nos a objetos, mas as experiências perduram na memória durante muito tempo, e os níveis de felicidade que obtemos com elas são superiores aos que alcançamos com bens materiais.
2. Comparámo-nos muito com os outros.
Somos muito suscetíveis a comparações sociais. Como disse Jonh Stuart Mill “Não queremos ser ricos, apenas mais ricos do que os outros”. Num dos estudos apresentados, perguntaram aos estudantes de Harvard se preferiam ganhar 50.000€ mas as outras pessoas 25.000€ ou ganhar 100.000€ e os outros 250.000€. A maioria optou por ganhar menos, mas mais do que os outros.
Além da comparação social, também temos tendência para sobrestimar a felicidade das outras pessoas. Parecem-nos sempre mais felizes do que são na realidade. E vemos muito pouco da sua infelicidade.
Estas duas características humanas, potenciadas pelas redes sociais e pela televisão, são um cocktail explosivo contra a nossa felicidade. O problema é que a nossa mente compara-se com qualquer ponto de referência, seja ele realista ou nem por isso.
Dicas dos especialistas para evitar a comparação e aumentar os níveis de felicidade:
Passe menos tempo com ecrãs para evitar comparar-se com profissionais que têm equipas responsáveis pela sua imagem, imagens editadas, e outros pontos de referência irrealistas.
Diversifique o tipo de perfis que segue e controle o que vê no feed das suas redes sociais.
3. A nossa atenção é limitada e direcionámo-la para coisas que não nos fazem felizes.
Quando prestamos atenção a uma coisa, colocamos um foco de luz sobre ela, e tudo o resto deixa de ser visto.
Há dois tipos de atenção: a de baixo para cima e a de cima para baixo. A atenção de baixo para cima é a que prestamos automaticamente e sem esforço a um estímulo saliente do ambiente. Por exemplo, quando toca o telefone, recebemos uma notificação, ou alguém grita “fogo”, temos uma reação fisiológica. Prestamos atenção mesmo que não queiramos. A atenção de cima para baixo é a que alocamos, conscientemente e com esforço, em algo, com base nos nossos objetivos atuais ou conhecimento anterior. Por exemplo, decidimos ler um livro ou fazer um curso para melhorarmos o nosso desempenho na escola ou no trabalho.
Ao canalizarmos a pouca atenção que temos para coias sem importância ou que não nos fazem felizes, estamos a perder as coisas boas da vida. Num dos estudos, verificou-se que as notificações diminuem a felicidade das atividades lúdicas, como jantar com os amigos ou ir ao cinema.
Dicas dos especialistas para aumentar o foco e os níveis de felicidade:
Garanta que o telefone está longe de si durante as tarefas importantes.
Melhore as definições do telemóvel, para que fique menos apelativo. Remova as notificações e coloque-o a preto e branco (Iphone – Color filters – Grayscale).
Decida, a priori, onde pretende alocar a sua atenção e tempo.
Sempre que pegar no telemóvel, pergunte-se: o que posso fazer melhor do que isto?
COMPORTAMENTOS QUE NOS FAZEM FELIZES
1. Conexão social
O principal comportamento que podemos adotar para sermos mais felizes é a conexão social. Um dos estudos apresentados no curso colocou a seguinte questão: “Onde é que as pessoas muito felizes passam o seu tempo livre?” A resposta foi com amigos e família. No entanto, interagir com estranhos também é considerado conexão social.
O problema agudizou-se com a digitalização, que aumentou muito a solidão. As redes sociais, por exemplo, são o meio de comunicação menos social de todos. Estamos sozinhos a olhar para um ecrã. Além disso, as aplicações são desenhadas, em geral, para que seja possível fazer coisas sem termos de interagir com pessoas. Antes da internet, comprávamos livros em livrarias, agora fazemos alguns cliques na Amazon ou noutra loja online. Os álbuns de fotografias físicos que mostrávamos presencialmente à família e aos amigos foram substituídos pelos murais das redes sociais. Quando entrávamos num táxi, falávamos com o condutor para lhe dizermos para onde queríamos ir. Com o Uber, podemos entrar e sair calados. As compras eram feitas na feira ou ao supermercado e falávamos com o talhante ou o senhor da peixaria. Agora, encomendamos online, não falamos com ninguém. Em apenas seis anos, de 2012 para 2018, o ano em que os smartphones surgiram, a solidão duplicou.
Dicas dos especialistas para aumentar a conexão social e os níveis de felicidade:
Fale com pessoas. Literalmente. Saia de casa. O simples facto de falar com alguém, mesmo que seja um estranho, fá-lo-á sentir-se muito melhor.
Mantenha as amizades que tem. Ligue ou reserve tempo para estar com os seus amigos.
Encontre formas de se envolver com pessoas que partilham os seus interesses. Faça desporto em grupo, junte-se a um clube do livro, aprenda a tocar guitarra. O que gostar, desde que envolva interação humana.
2. Amabilidade
As pessoas mais felizes voluntariam-se para ajudar e doar aos outros com mais frequência. Num dos estudos, deram 20€ a um grupo de pessoas e 5€ a outro grupo. Transmitiram a ambos que poderiam dar ou gastar o dinheiro em algo que gostassem. As que deram o dinheiro, independentemente da quantia, ficaram mais felizes, não apenas durante aquele dia, como nos dias seguintes.
Dicas dos especialistas para aproveitar o poder da amabilidade e aumentar os níveis de felicidade:
Dê tempo ou dinheiro a alguém. A quantia não é relevante.
Seja amável com as pessoas. Elogie sinceramente, deixe passar o carro parado no trânsito, etc.
3. Flow & Diversão
Flow
No livro Flow, Mihaly Csikszentmihalyi escreve que “os melhores momentos da nossa vida não são os passivos, recetivos ou relaxantes, mas os que acontecem quando o corpo e a mente são levados ao limite num esforço, voluntário, para alcançar algo difícil e que valha a pena. Neste estado, a que ele chama “Flow”, a pessoa está completamente imersa e energicamente focada numa atividade. A experiência é tão agradável que a pessoa continua a atividade mesmo com muito esforço, pelo simples facto de querer fazê-la.
Ler, subir uma montanha, tocar um instrumento musical, jogar ténis, cantar ou fazer cerâmica podem ser atividades que nos fazem alcançar o flow. O segredo é escolher uma atividade que exija concentração e algum esforço. Além disso, deve ser intrinsecamente recompensadora. Não deve ser algo que queira colocar no currículo. O resultado não deve ser importante. A ideia é divertir-se.
Mihaly argumenta que procuramos preencher o nosso vazio com recompensas externas, como a riqueza, a fama, religiões, ideologias, poder ou prazeres instantâneos, mas a felicidade, um sentimento de satisfação profundo e duradouro, é alcançado com o desenvolvimento de capacidades alinhadas com os nossos gostos e objetivos pessoais.
O desenvolvimento dessas capacidades deve ser feito de forma gradual. Não deve ser demasiado difícil ou fácil. Por exemplo, gosta de guitarras e decide aprender a tocar. Num primeiro momento, aprende os acordes mais básicos, o que já será suficientemente desafiante, ainda que perfeitamente possível. Quando já os dominar, aprende mais alguns. E assim sucessivamente. Se colocar metas demasiado altas, começará a sentir-se ansioso, o contrário de Flow, o “estado de fluxo” em que está agradavelmente concentrado e que o seu crítico interior desaparece. Não sente o tempo a passar, e até se esquece de comer ou ir à casa de banho.
Uma nota importante. Para nos podermos focar nas atividades que proporcionam “flow”, devemos diminuir ou eliminar o “junk flow” da nossa vida. A diferença entre um e outro assenta na exigência da atividade e no sentimento generalizado que temos após a atividade. Por exemplo, posso não sentir o tempo a passar a ver vídeos do Tik Tok, jogar videojogos ou ver vários episódios seguidos de uma série, mas não me fazem sentir bem a longo prazo nem me sinto energizado após as fazer.
Diversão
Quanto à diversão, outro fator importante para aumentar os níveis de felicidade, a autora Catherine Price aconselha-nos a fazer uma auditoria, e tirar algum tempo para escrever sobre os momentos mais divertidos das nossas vidas. Para isso deve:
Fazer uma lista dos três momentos da sua vida que possa descrever como “muito divertido” ou “foi tão divertido”.
Pensar em quem estava presente, o que estava a fazer, onde e quando esse momento aconteceu.
De seguida, deve tentar encontrar os fatores de diversão, o tipo ou tipos de sítios nos quais costuma divertir-se mais, as pessoas com quem habitualmente se sente mais divertido, etc.
Finalmente, deve guardar tempo para ir a esses sítios e estar com essas pessoas.
4. Forças de assinatura
Utilizar as nossas forças de assinatura ou de caráter torna-nos mais felizes. Para saber quais são as suas, faça este questionário.
Num dos estudos apresentados, os participantes deveriam utilizar uma das suas forças de assinatura todos os dias, durante uma semana. Se a força deles fosse a coragem, deveriam fazer algo corajoso todos os dias, durante uma semana. Após o estudo, viram os seus níveis de felicidade aumentar não apenas durante a semana do estudo, como também durante os seis meses seguintes.
Para sermos mais felizes, devemos utilizar as nossas forças de assinatura no dia-a-dia, nos tempos livres e profissionalmente. Também é importante considerá-las no longo prazo, incluindo-as nas decisões sobre o percurso académico ou profissional a optar. Por exemplo, uma empregada de limpeza dos serviços oncológicos indicou que o seu trabalho não era limpar o chão após alguém vomitar, mas fazer uma piada sobre isso e fazer rir o doente. A sua força de assinatura era o humor.
Dicas dos especialistas para utilizar as suas forças de assinatura e aumentar os níveis de felicidade:
Encontre formas de utilizar as suas forças de assinatura no trabalho e nos tempos livres.
5. Hábitos saudáveis
Imagine um comprimido que aumenta o seu desempenho no trabalho, melhora a sua imagem, o torna mais feliz, é legal, gratuito e sem efeitos secundários. Quer? Esse comprimido é o exercício físico.
Num dos estudos, feito a 156 pessoas com depressão profunda, pediram aos participantes para optarem entre fazer exercício físico durante 30 minutos, três vezes por semana, durante 16 semanas (4 meses) ou tomar o antidepressivo Zoloft, durante mesmo período de tempo. 90% das pessoas que optaram pelo exercício físico recuperaram da depressão e menos de 10% recaíram. Dos que optaram por tomar o antidepressivo, 55% recuperaram e 35% tiveram uma recaída. Outros estudos relativos à depressão e à ansiedade tiveram resultados semelhantes.
Dicas dos especialistas para criar hábitos saudáveis e aumentar e os níveis de felicidade:
Para obter os efeitos deste comprimido milagroso, mexa-se 30 minutos por dia. Inclua música, amigos ou ambientes que gosta para tornar a atividade mais divertida.
Outro hábito saudável que o fará mais feliz é dormir mais, pelo menos sete horas por noite, o que não é fácil nos dias que correm. Para conseguir, deve comprar um despertador para o quarto e deixar o telemóvel noutra divisão da casa. Vai ver que dorme mais, e melhor.
6. Abundância de tempo
A abundância de tempo é o sentimento subjetivo que temos quando dispomos de tempo suficiente para lazer e outras atividades que sejam importantes para nós.
Habitualmente, enfrentamos uma dicotomia entre tempo e dinheiro. Um dos estudos verificou que as pessoas tendem a valorizar mais o dinheiro (69%) do que o tempo (31%). E as pessoas que valorizam mais o tempo, são mais felizes do que as que valorizam mais o dinheiro.
Para termos mais abundância de tempo, devemos deixar espaços em branco na agenda e fazer uma boa utilização dos confetes de tempo, os pequenos pedaços de tempo que temos entre as tarefas importantes do dia. Habitualmente, utilizamos esse tempo para fazer algo inútil, como scroll no telemóvel. Segundo a autora do termo, Brigid Schulte, devemos fazer uma lista de atividades que podemos fazer em cinco minutos, como ler qualquer coisa, beber um chá, encontrar uma nova receita para experimentar, ligar a um amigo, alongar, tratar de algo pendente, etc. A ideia é não recorrer ao telefone por defeito e sempre que temos algum tempo livre.
PENSAMENTOS QUE NOS FAZEM FELIZES
Segundo a professora Laurie Santos, de todas as conclusões de todos os estudos, a que mais a surpreendeu foi o facto de podermos mudar os nossos pensamentos. É verdade que não temos controlo sobre um pensamento inicial que surge na nossa cabeça, mas temos controlo absoluto da forma como esse pensamento se desenrola. Dá trabalho, exige muita prática, mas conseguimos fazê-lo. Por isso, para sermos mais felizes, devemos aprender a mudar os nossos pensamentos.
1.Agradecer
O primeiro passo para mudarmos os nossos padrões de pensamento é focarmo-nos nas coisas boas que já temos. Se prestarmos mais atenção às coisas boas, começaremos a ter menos pensamentos negativos. Para passar à prática, basta escrever, todos os dias, 3 ou 4 coisas pelas quais está agradecido. Pense em algo como “tenho tanta sorte em ter isto” e escreva. Um dos estudos verificou um aumento significativo de felicidade de quem executou esta prática, comparativamente a quem não o fez.
Outro estudo viu a felicidade dos participantes aumentar até seis meses após uma “visita de agradecimento”. A atividade consistiu em escrever uma carta de agradecimento a alguém que os tivesse ajudado ou sido especialmente bom com eles, e entregá-la pessoalmente. Os resultados relativamente ao aumento dos níveis de felicidade foram surpreendentes.
2. Prestar atenção
Os estudos concluíram que os nossos níveis de felicidade também aumentam quando nos focamos em algo ou prestamos atenção ao que estamos a fazer, mesmo que seja uma tarefa que não gostamos muito.
Acontece que, quando nos estamos a tentar focar, os nossos pensamentos fogem para outras coisas.
As boas notícias são que podemos tornar-nos muito melhores nesta tarefa se praticarmos. E o exercício ideal é a meditação. No início, pode ser muito difícil porque a nossa mente está sempre a vaguear, mas o segredo é, precisamente, voltar a prestar ao que escolheu para se focar. Cada vez que trazemos a nossa mente de volta para aquilo que escolhemos prestar atenção, é como se tivéssemos a fazer levantamento de bíceps mas na mente.
3.Lutar contra o seu crítico interior
Dizemos coisas a nós próprios que nunca diríamos a um amigo. O nosso crítico interior afirma que não valemos nada, que somos fracos, feios, gordos e más pessoas. Quando passamos por um momento difícil, diz que a culpa é nossa, chama-nos falhados, e afirma que nunca vamos conseguir nada na vida. Também acha que tem capacidades adivinhatórias e pode dizer frases como “as pessoas detestam-me” ou “ficaram achar que sou estúpido”. Ainda que saibamos que não é possível ler mentes, acreditamos no que esta narrativa interior nos diz. Em geral, também pensamos que este crítico interior nos ajuda a seremos mais exigentes connosco e, assim, a termos melhores resultados. No entanto, os estudos mostram exatamente o contrário. Quanto mais nos criticamos, pior é o nosso desempenho. Isto acontece porque o sucesso em qualquer coisa pressupõe que, às vezes, as coisas corram mal. E, se nos tratarmos mal quando falhamos, não continuaremos, nem tentaremos novamente depois. A evidência demonstra que, se recorrermos à autocompaixão, acabaremos por ser mais persistentes.
Dicas dos especialistas para aumentar a autocompaixão e os níveis de felicidade:
Só ganhamos em tratar-nos bem. Por isso, quando surgir o seu crítico interior, pense em como responderia se alguém falasse consigo nesses termos.
4.Ganhar perspetiva
Acontece, às vezes, termos pensamentos altamente ansiosos acerca do passado e do futuro. Frases como “a conversa com aquelas pessoas correu pessimamente”, “estive mesmo mal naquela situação” ou “nunca vou conseguir ganhar mais dinheiro” ou “vou ficar doente para sempre” ecoam intensamente na nossa cabeça. Em geral, este tipo de pensamentos focam-se em acontecimentos sobre os quais já não temos controlo.
Dicas dos especialistas diminuir os pensamentos ansiosos e aumentar os níveis de felicidade:
Durante as espirais de pensamentos negativos, deve seguir as seguintes estratégias:
Visualizar um observador exterior sábio. Alguém que admire ou respeite muito. Por exemplo, eu poderia perguntar “o que é que o Foucault faria nesta situação?”.
Outra estratégia é falar consigo mesmo na segunda ou terceira pessoa. Em vez de “tenho de trabalhar mais”, dizer “Fabiana, tens de trabalhar mais”. Soa mais agressivo e a ideia é aumentar a distância psicológica.
5. Desenvolver a mentalidade certa
A mentalidade é constituída por aquilo em que acreditamos. E o que acreditamos não sermos capazes de fazer, afeta a nossa capacidade de fazê-lo efetivamente.
A história de Roger Bannister, a primeira pessoa a correr uma milha (1,6 Km) em menos de quatro minutos, demonstra este efeito. Até então, pensava-se que era humanamente impossível mas, após três meses de ele conseguir, várias pessoas ultrapassaram esse recorde. Apenas porque começaram a acreditar que era possível.
O método científico utilizado neste estudo, distingue dois tipos de mentalidade, a fixa e a de crescimento. Quem tem mentalidade fixa, acredita que as suas qualidades básicas, como a inteligência, o talento, a preparação física ou a amabilidade, são traços de personalidade fixos, que não conseguimos mudar. Os possuidores de mentalidade de crescimento, pelo contrário, acreditam que as suas qualidades básicas podem ser mudadas e desenvolvidas através da dedicação e trabalho árduo.
Como já seria de esperar, os resultados dos estudos mostram que a felicidade depende do tipo de mentalidade que se tem.
Dicas dos especialistas para desenvolver a mentalidade correta e aumentar os níveis de felicidade:
Sendo assim, a questão que se segue é como podemos adotar a mentalidade correta. Utilizando uma estratégia muito simples: acrescentando a palavra “ainda” para transformar uma afirmação de mentalidade fixa numa afirmação de mentalidade de crescimento. Por exemplo, substituir a expressão “não sou capaz e fazer isto” por “não sou capaz de fazer isto, ainda”.
A maioria das características humanas funcionam como um músculo, sendo possível mudá-las. Por isso, pegue num papel e numa caneta, escreva as coisas que acha não ser capaz de fazer e acrescente a palavra ainda a todas elas.
SENTIMENTOS QUE NOS FAZEM FELIZES
Além dos pensamentos e comportamentos, também há sentimentos que nos fazem felizes ou diminuem a nossa infelicidade. O primeiro é a aceitação das emoções negativas.
1.Aceitar as emoções negativas
Quando sentimos emoções das quais não gostamos, o nosso instinto é afastá-las ou escondê-las. Mas essa estratégia não só não funciona, como piora a situação.
Há duas frases emblemáticas que se aplicam à teoria do processo irónico, esta ideia que as tentativas deliberadas de suprimir pensamentos ou emoções tornam mais provável o seu ressurgimento. Uma é de Carl Jung “Aquilo a que se resiste, não só persiste, como aumenta de tamanho” e a de Dostoievski que desafia o leitor ao seguinte “Tenta impor-te esta tarefa: não pensar no urso polar, e verás que aquele pensamento amaldiçoado irá aparecer-te na mente a cada minuto”.
Os estudos científicos confirmam este fenómeno. Num deles, pediram a metade dos participantes para pensarem num urso branco, indicando o seguinte: “Tente pensar num urso branco”, e à outra metade, o contrário “Tente não pensar no urso branco”. Aos que pediram para pensar, pensaram cada vez menos, e aos que pediram para não pensar, pensaram cada vez mais.
Dicas dos especialistas para aceitar as emoções negativas e aumentar os níveis de felicidade:
Sabendo deste fenómeno, o que nos aconselham os especialistas?
Em primeiro lugar, perceber que as emoções são como as ondas, vão e vêm. Devemos simplesmente deixá-las passar. Não tente mudar os sentimentos negativos. Observe-os, sem julgar, e aguarde que passem, o que acontecerá entre 10 a 15 minutos
Outra prática de aceitação das emoções é a meditação R.A.I.N (recognition, allow, investigate, nutrition). Quando surgir uma emoção negativa a chegar, sente-se e:
1. Reconheça o que está a acontecer. Pode pegar num papel e numa caneta e responder à questão “que emoção estou a sentir?”.
2. Depois, deve deixar o sentimento ficar como está. Tolere esse sentimento durante alguns minutos, sabendo que entretanto ele se vai embora.
3. Investigue-se. De repente, deu-lhe vontade de pegar no telemóvel? Comer alguma coisa específica? Não faça nada. Apenas observe que, quando tem este tipo de emoção, costuma camuflá-la com o telemóvel, comida, ou de outra forma.
4. Por último, faça alguma coisa que gosta, de forma a nutrir-se mentalmente.
2. Preencher as lacunas de empatia.
Segundo os investigadores, existe um gap de empatia entre o nosso estado cognitivo “quente” e o estado cognitivo “frio”. Os processos de pensamentos do estado quente ocorrem frequentemente quando estramos stressados, com fome ou cansados e influenciam negativamente as nossas atitudes, preferências e comportamentos. Ao contrário do estado “frio”, em que estamos calmos e descansados, no estado quente tomamos frequentemente más decisões.
Segundo os especialistas, o segredo está em evitar entrar no estado quente ou preparar-se para quando ele vier. Por um lado, não deve deixar-se ficar com fome e não entrar em privação do sono, e, por outro, como sabe que o seu “eu quente” tomará más decisões, deve fazer ajustes no meio ambiente enquanto está no estado frio. Por exemplo, se sabe que o seu eu quente, cansado, desistirá de fazer exercício à primeira oportunidade, deixe o saco da ginástica já pronto no carro. Se sabe que, de manhã, cheio de sono, vai adiar sucessivamente o despertador, coloque-o longe da mesinha de cabeceira, para ter de levantar-se.
3. Regular o seu mecanismo de lutar ou fugir
O nosso corpo foi construído para responder a situações stressantes e a situações calmas. Quando vemos uma serpente, temos uma reação fisiológica instantânea. O coração começa a bater muito, a digestão e o intestino param, a função sexual é inativada e a respiração torna-se rápida e superficial. O nosso corpo transforma-se imediatamente, desligando todas as outras funções, para conseguir lutar ou fugir. O mesmo acontece com as ameaças sociais. Se for rejeitado ou alguém for maldoso consigo, o corpo tem a mesma reação. Este sistema de lutar ou fugir, que faz parte do sistema nervoso autónomo, causa muito stress e ansiedade ao nosso corpo. Se estivermos constantemente neste estado, desenvolvemos problemas digestivos, acne, dores de cabeça, insónia, fadiga, problemas reprodutivos, e estaremos constantemente doentes.
Dicas dos especialistas para regular o mecanismo de lutar ou fugir e aumentar os níveis de felicidade:
A boa notícia é que o nosso corpo alterna entre o estado de stress e o estado calmo, aquele em que todas as funções vitais regressam ao ativo. O corpo apenas está num ou noutro. E, segundo os especialistas, é possível utilizar um atalho para passar de um estado para o outro: respirar lenta e profundamente. Sei que pode ser irritante que nos peçam para respirar profundamente quando estamos stressados, mas funciona. O que está a fazer é enganar o seu corpo, que pensará “Se tivesse uma tigre à minha frente, não poderia estar a respirar tão lenta e profundamente. Não pode ser um tigre”. E muda para o estado calmo.
Bem-vindos à hipsterlândia.
Olá, eu sou um hipster. Passo o dia a pensar na roupa vintage que vou vestir, quais os óculos que vou comprar e se vou deixar crescer a barba mais dois ou três centímetros. Adoro marcas de roupa alternativas, gadgets alternativos, revistas alternativas e músicas muitíssimo alternativas. Gosto de citar coisas muito cultas ou diferentes dos outros mas o meu objectivo primordial é inebriar a cidade com glamour. Vou a sítios que chamam tapas ao pão e ao chouriço, acho um máximo comer sandes de pernil, como os pobres, mas em ambientes mais requintados, como o festival dos sons primaveris, e como gelados trendy, feitos com bolachas industriais oreo, na gelataria “artesanal” da baixa. Tenho a noção que o meu sentido estético é apuradíssimo. Nunca criei arte mas tenho uma sensibilidade artística fora do normal. No fundo, tenho uma cultura geral superior aos seres humanos comuns. Sou uma pessoa diferente. Só ainda não percebi que a cidade está cheiinha de pessoas exactamente iguais a mim.
Capa de revista.
Se se paga a uma modelo para ser fotografada, porque não se paga à criança fotografada na guerra?
Lembranças.
Quando era pequena e vivia no meio das jóias e dos empregados, pedia muito a deus que me levasse dali para um sítio calmo, onde pudesse ler, ou para outro, com pessoas sem poder, amigos e solidariedade. Deixei de acreditar em deus mas todos os meus desejos foram realizados. Se nos conseguirmos lembrar do que pedimos em crianças, iremos perceber que quase tudo se concretizou. O mal da vida começa aí, no momento em que deixamos de ser capazes de nos lembrar do que sempre desejamos.
Desassossego
Acabo de receber esta mensagem de um amigo: "Vives desassossegada e escreves para desassossegar". Gosto muito dele mas não tem razão nenhuma. Primeiro, o meu único desassossego é não ter mais tempo para escrever. De resto, acho tudo muito divertido. Segundo, só escrevo para me divertir ainda mais. Desculpem não ter nenhum objectivo altruísta nisto. Mas, só para não dizerem que sou má rapariga, peguem lá uma musiquinha para a tarde de domingo.
Sucesso
O sucesso público cresce na razão directa da capacidade do indivíduo se produzir - na aparência, na eloquência, na inteligência, na simpatia. É um exercício dramático tão mais rentável quanto mais tempo durar a peça.
No fechamento das cortinas, o indivíduo sucedido é um indivíduo esgotado, incapaz de criar nucleoplasmas. Isto ocorre porque, após algum tempo, a diferença entre o indivíduo produzido e o espontâneo apresenta um valor insuficiente para sustentar a corrente eléctrica.
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- Misoginia
- Walter Benjamin
- Resistência
- Alexander R. Galloway
- Natália Correia
- James Scott
- Hipervisibilidade
- Desassossego
- Mudança
- Desigualdade
- Tarantino
- Parkinsons
- Solidão
- Georges Canguilhem
- Derrida
- Infância
- Transversalidade
- Tens de mudar de vida
- Felicidade
- Egocentrismo
- Funeral
- Teorias da Conspiração
- Doença
- Disciplina
- Coaching
- Sucesso
- Robert Musil
- Sobre mim
- Controlo
- Marx
- Foucault
- Deputados
- Paixão
- Riqueza
- Virginie Despentes